Sabia que o tabaco é uma das principais causas evitáveis de morte a nível mundial? Os efeitos nocivos do tabaco no sistema respiratório estão bem documentados e continuam a ser um tema central na promoção da saúde pública. Fumar é um fator de risco importante no desenvolvimento de doenças cardiovasculares, AVCs, cancro de pulmão, cancro orofaríngeo, entre outros. Além disso, o tabaco também provoca determinadas doenças respiratórias tais como a doença pulmonar obstrutiva crónica (DPOC).
Segundo dados estatísticos de 2019, aproximadamente 14% da população portuguesa com 15 ou mais anos fumavam diariamente. No gráfico abaixo, retirado da base de dados da OECD, podem consultar as diferentes percentagens entre diversos países. Embora as taxas de tabaco estejam em declínio, talvez pela aposta nas campanhas de prevenção tabágica e pelo aumento da consciencialização dos riscos associados, ainda há um longo caminho para percorrer.
Neste artigo, exploramos o impacto do tabaco nos pulmões com a história do João, um paciente com um nome fictício da minha prática clínica. O João é um homem de 54 anos e começou a fumar aos 14 anos — segundo ele, por “pressão de grupo”. Nos últimos 15 anos, desenvolveu uma tosse persistente, com “algum catarro, mas mais pela manhã”, à qual já “está habituado”. Veio à minha consulta médica por queixas cada vez mais frequentes de “dificuldade a respirar” quando sobe escadas ou faz atividades mais intensas.
Doença Pulmonar Obstrutiva Crónica (DPOC): O que é e como aparece?
Imagine os seus pulmões como balões. Quando inspira, faz força com os músculos torácicos e os balões enchem-se de ar. Quando expira, os músculos relaxam e o ar saí passivamente. Outro conceito importante a reter é a existência de alvéolos, que são pequenas estruturas nos pulmões, onde ocorre a troca de oxigénio e dióxido de carbono com o sangue.
Efeitos do Tabaco nos Pulmões
Quando se fuma, os produtos químicos nocivos do cigarro são inalados e afetam os pulmões de diferentes maneiras:
- Bronquite crónica: as vias respiratórias (os tubos que levam o ar que respiramos aos pulmões) ficam inflamadas e produzem muito muco. Os tubos acabam por ficar cada vez mais estreitos, o que, por um lado, dificulta a passagem do ar e, por outro, faz com que as pessoas façam mais esforço para respirar. Já reparou que pessoas com bronquite crónica tossem muito e têm muita expetoração?
- Enfisema: As paredes dos alvéolos começam a romper-se e destruir-se. Isto diminui a área disponível para haver troca de gases, o que torna mais difícil a respiração. Se nos lembrarmos do João, reparamos que ele começou a ter cada vez mais dificuldade em realizar atividades porque tinha falta de ar.
Fatores de Risco
Tal como referimos anteriormente, a doença pulmonar obstrutiva crónica (DPOC) é uma patologia respiratória grave provocada maioritariamente pelo fumo do tabaco. No entanto, uma minoria dos casos são provocados pela inalação prolongada a poluentes ambientais ou até mesmo pela exposição laboral a determinadas poeiras, produtos químicos ou fumos. Por exemplo, trabalhadores que manipulam fumo de lenha ou carvão estão mais vulneráveis.
Durante a consulta, questionei o João sobre a quantidade de cigarros fumados. Além de ser fumador de longa data, fuma cerca de 1 maço por dia. No seu emprego atual, faz pausas frequentes para fumar. Também verifiquei que tem as vacinas obrigatórias em dia. Nunca teve contacto com poluentes ambientais ou químicos.
O número de cigarros fumados afeta o risco de desenvolver DPOC?
A resposta é: SIM! Vários estudos comprovaram a associação entre o número de cigarros fumados com o risco de desenvolver DPOC. Esta relação é conhecida como dose-efeito: quanto maior o número de cigarros fumados e por um maior período de tempo, maior é o risco de danificar os pulmões e provocar uma doença pulmonar obstrutiva crónica.
Como avaliar a presença desta doença?
Quando os médicos, baseando-se na história clínica e nos sintomas, suspeitam da presença da DPOC, solicitam testes confirmatórios para obter um diagnóstico mais preciso. Os principais métodos de avaliação incluem:
- Provas da Função Respiratória: Estes testes são fundamentais para diagnosticar a doença e avaliar a sua gravidade. Dentro destas provas inclui-se a espirometria, a prova de débito-volume, a avaliação da força muscular e a medição da capacidade de difusão (DLCO). Concomitantemente à espirometria, realiza-se também o teste da reversibilidade com broncodilatadores, que permite diferenciar a DPOC de outras patologias como a asma.
- Radiografia de Tórax: Pode ajudar a excluir outras doenças respiratórias ou identificar sinais de DPOC avançada;
- TC de Alta Resolução (TCAR): Pode detetar alterações pulmonares como o enfisema ou outras alterações das vias áreas. É útil em casos mais complexos ou quando existem resultados inconclusivos.
O diagnóstico da DPOC é resultado da avaliação integral e personalizada de cada indivíduo pelo seu médico. Os métodos de avaliação permitem um diagnóstico mais preciso e ajudam a orientar o tratamento mais adequado.
Na consulta foram pedidas análises, um raio-x do tórax e provas funcionais respiratórias (PFR). A radiografia não mostrou alterações significativas e as PFR confirmaram a presença de uma obstrução irreversível ao fluxo de ar.
O que esperar da evolução da DPOC?
A doença pulmonar obstrutiva crónica é uma patologia crónica progressiva, ou seja, com o tempo, os sintomas e a gravidade tendem a piorar. Além da tosse persistente e da falta de ar, os indivíduos com DPOC podem experienciar:
- Sibilos Respiratórios (“assobios” ao respirar) — Inicialmente, estes sons podem ser audíveis apenas com o uso do estetoscópio, mas à medida que a doença avança, podem-se notar na respiração normal;
- Sensação de aperto no peito — Uma maior pressão e dificuldade para respirar, frequentemente descrita como um aperto ou pressão no peito;
- Infeções respiratórias frequentes — Maior suscetibilidade a gripes, constipações e pneumonias devido à diminuição da capacidade do sistema imunológico de combater infeções;
- Fatiga — A sensação constante de cansaço pode ser resultado da dificuldade respiratória e do esforço adicional necessário para realizar atividades do dia-a-dia.
Medidas terapêuticas na DPOC
Apesar da progressão desta doença, existem várias medidas e tratamentos que podem ajudar a atrasar o agravamento da doença e melhorar a qualidade de vida dos indivíduos afetados:
🛑 Cessação Tabágica
Parar de fumar é a medida mais eficaz para atrasar a progressão da DPOC. Existem programas e consultas de cessação tabágica disponíveis no Serviço Nacional de Saúde (SNS) e em várias instituições privadas. Estes programas oferecem um acompanhamento multidisciplinar, incluindo médicos, enfermeiros e psicólogos, para apoiar os indivíduos no processo de deixar de fumar.
Algumas pessoas podem necessitar de terapêutica de substituição de nicotina, cuja função é ajudar a reduzir os sintomas de abstinência e a substituir a necessidade de tabaco. Entre os produtos de venda livre, o Nicorette é bastante conhecido e utilizado. Casos que necessitam de intervenção farmacológica, existem medicamentos comparticipados como o bupropiom e a vareniclina. O recurso a medicação deve ser sempre avaliado e supervisionado pelo seu médico, que determinará consigo qual a abordagem mais adequada para si.
A combinação de apoio comportamental e terapias de substituição da nicotina pode aumentar significativamente as taxas de sucesso na cessação tabágica, melhorando a saúde pulmonar e a qualidade de vida dos pacientes com DPOC.
Para todos aqueles que não querem aumentar o risco de doenças pulmonares (e não só!), previna-se e não comece a fumar. A prevenção é a melhor estratégia para evitar os potenciais danos causados pelo tabaco.
💉 Vacinação
Está comprovado que a vacinação anual contra o vírus da gripe e da Covid-19, bem como a vacina contra o pneumococo, responsável por pneumonias, é eficaz na estabilização da DPOC. Estas vacinas ajudam a prevenir infeções respiratórias graves que podem desencadear exacerbações da DPOC e, consequentemente, hospitalizações.
🫁 Medicação e Reabilitação Pulmonar
O uso de broncodilatadores e glucocorticoides inalatórios é fundamental para aliviar os sintomas da DPOC e prevenir exacerbações. A escolha da medicação deve ser baseada na gravidade da doença, na história de exacerbações ou internamentos, bem como na presença de sintomas.
- Broncodilatadores: Relaxam os músculos ao redor das vias aéreas, facilitando a respiração. Pode ser de curta ou de longa ação.
- Glucocorticoides inalatórios: Ajudam a reduzir a inflamação das vias aéreas.
A escolha da combinação de medicamentos ou o recurso a medicação deve ser personalizada e ajustada consoante a resposta do paciente ao tratamento. Consulte o seu médico para definirem uma estratégia terapêutica adequada.
Além do tratamento farmacológico, existem também programas de reabilitação pulmonar, compostos por exercícios supervisionados por profissionais de saúde, com o objetivo de melhorar a capacidade de exercício, a resistência e qualidade de vida. O fortalecimento muscular melhora a eficiência respiratória.
🌬️ Oxigenoterapia
A suplementação com oxigénio, ou oxigenoterapia, tem indicações muito específicas e pode ser necessária em alguns casos mais avançados de DPOC.
O uso de oxigénio deve ser sempre orientado pelo médico.
O João mostrou-se motivado para mudar. Sabe que a DPOC é uma doença crónica e não tem cura, mas pode minimizar ao máximo os seus sintomas, exacerbações e progressão. Iniciou terapia de substituição da nicotina e recebeu apoio comportamental para manter a motivação e evitar fumar. Foram também administradas a vacina da gripe, a vacina contra o pneumococo e a dose de reforço contra a COVID-19.
Nas consultas de reavaliação estruturamos pequenas mudanças no dia-a-dia do João a nível nutricional e da atividade física. Após 6 meses sentia-se melhor, perdeu peso pelas medidas positivas que conseguiu implementar no seu quotidiano.
A importância da cessação tabágica
A doença pulmonar obstrutiva crónica (DPOC) é uma patologia pulmonar grave e debilitante, maioritariamente causada pelo tabaco. Não fumar ou parar de fumar é a medida mais eficaz para prevenir ou atrasar a progressão da DPOC e melhorar a qualidade de vida dos pacientes.
As campanhas de prevenção e consciencialização continuam a ser fundamentais para diminuir a incidência do tabagismo e as consequências irreversíveis que o tabaco provoca no nosso organismo e pulmões.
O exemplo do João mostra-nos que é possível viver uma vida mais saudável e ativa, mesmo com o diagnóstico da doença. Associar uma alimentação equilibrada, baixa em produtos pro-inflamatórios, a prática de atividade física regular e adequada às necessidades e patologias de cada indivíduo e acompanhamento médico regular, são os pilares essenciais para a gestão eficaz desta doença.
Para além de melhorar a função pulmonar, essas medidas contribuem para o bem-estar geral e qualidade de vida dos pacientes com DPOC.